22/07/2014

Adversidade: Grande Mestra

Um editorial da revista Serviço Rosacruz em homenagem à Max Heindel
O verdadeiro espiritualista caracteriza-se pela incessante, honesta e realista procura do aspecto positivo de todas as coisas eacontecimentos. Não se deixa iludir pelas aparências. Perscruta causas subjacentes. Analisa motivações. Acautela-se em não emitir julgamentos precipitados. Constata, através de uma visualização profunda das coisas, em cada fato uma lição oculta, em cada dificuldade uma valiosa oportunidade de aperfeiçoamento.

Para o homem comum, incapaz de observar algo além dos matizes superficiais, o mundo em que vivemos não passa de um emaranhado de contradições. Ele só nota a presença do conflito e da desarmonia em tudo c em todos.

Em realidade, o mundo não é contraditório, mas sim a mente humana, obscurecida pela ignorância de si mesma. O homem vulgar, imperfeito como é, inclina-se sempre a enxergar a imperfeição, destacando em tudo os opostos e os antagonismos. Nada mais é do que um reflexo de si mesmo. Carece da necessária evolução para eximir-se de estampar as coisas com os rótulos de "bem" e "mal".

Cumpre ao estudante rosacruz, através do discernimento, observação e meditação, prevenir essa visão distorcida do mundo. A prática fiel do exercício de retrospecção, faculta-lhe, gradativamente, o conhecimento de si mesmo. Através dessa perspectiva de sua própria natureza, poderá evitar encontrar aquelas falhas que são suas — até então irregeneradas — nos múltiplos aspectos da existência. Tendo uma concepção superior daquilo que comumente é chamado de "bem" e "mal", tende a harmonizar-se com o mundo, por descobrir a finalidade última das coisas.

Essa disposição livra-o de sentir-se frustrado ou deprimido diante do fracasso, ou torna-o infenso aos deslumbramentos ilusórios do sucesso; evita-lhe o temor e o constrangimento ao reconhecimento do erro, ou, a falsa idéia de extrema e absoluta auto-suficiência após os acertos. Compreende, enfim, o quanto os sucessos são pontilhados de fracassos e os acertos são precedidos de erros. Recorda como os grandes inventores, por exemplo, enfrentaram equívocos diários para chegar, finalmente, ao seu sonhado invento. Assim, cientistas, literatos, economistas, empresários, artesãos, partiram de um determinado ponto, errando e retificando, equivocando-se e corrigindo, até à obra final. E mesmo algumas obras seculares ainda passam por contínuo aperfeiçoamento.

Quer no sentido material, quer no sentido moral, o mundo continua a ser uma grande escola, A experiência de cada dia, com suas múltiplas facetas de alegrias e tristezas, constitui sempre um passo a mais, empreendido na longa jornada do progresso. Via de regra, o sofrimento constitui uma forma construtiva de aprendizado, porque induz à correção, impele à ação, quebrando todos os imobilismos cristalizantes. As dificuldades muitas vezes deslocam o homem para outras veredas, porque as atuais, do ponto-de-vista evolutivo, talvez não lhe sirvam mais. A cada barreira surgida, transposta com fibra ou contornada habilmente, soma-se-lhe um grande lastro em forma de experiência.

Em seu livro História de Dervixes, Idris Shah, reproduz narrativa de Abdul Cadir, pensador árabe e santo sufi, em que se mostra de que maneira a adversidade é boa mestra. Um negociante perde todos os seus bens, inclusive a saúde, e procura, desesperado, o conselho sábio de um amigo, o sultão de Córdoba. Este manda que lhe sejam dadas cem ovelhas, com as quais o antigo negociante poderia recomeçar sua vida.

O rebanho, no entanto, morre vítima de uma epidemia. O sultão oferece mais cinquenta ovelhas ao amigo infeliz, e novamente uma série de acidentes reduz o personagem à penúria. O sultão agora oferece a ele vinte e cinco ovelhas. O pastor improvisado consegue, num esforço extraordinário, aumentar o rebanho, vendendo e comprando, orientando a reprodução e alimentando bem os aminais. Dois anos depois, o ex-negociante, agora o pastor mais próspero da região, visita o sultão para agradecer-lhe a ajuda. O monarca de Córdoba oferece-lhe, então, o reino de Sevilha. O antigo negociante não se contém e interpela o amigo: — "Por que não me ofereceu, logo da primeira vez, o reinado que me tiraria da pobreza?" O sultão explica: — "Se no dia em que levou as cem ovelhas para a montanha e as perdeu, tivesse assumido o governo de Sevilha, hoje não haveria ali pedra sobre pedra".

Max Heindel foi um exemplo dignificante do aprendizado em meio às dificuldades. Para consolidar a obra em Mount Ecclesia teve de reunir muita coragem. Foram tempos de heroísmo. Na carta aos estudantes de nº 20 lemos: "Deixado no mundo com os ensinamentos rosacruzes, foi-me comunicado que os divulgasse. Muitas vezes faltou-me a respiração, à medida que me dava conta da tarefa gigantesca posta sobre meus ombros e de como eu e minha esposa somos insignificantes. Freqüentemente, quando o trabalho parecia nos derrubar, orávamos para obter ajuda. Mas agora, olhando para trás, tomamos consciência das lições que aprendemos por meio das lutas".

Que jamais os obstáculos detenham nossa marcha em busca de um glorioso alvorecer.
        Publicado na revista Serviço Rosacruz, agosto, 1973
Carta 20 do livro Cartas aos Estudantes Max Heindel
Livro impresso Cartas aos Estudantes, Max Heindel