"O método Rosacruz difere de todos os outros
num ponto especial: procura, desde o princípio, emancipar o Aspirante de todas
as dependências externas e orienta-o a cultivar a confiança em si próprio ao
máximo grau, a fim de que se torne num ponto de apoio e de ajuda aos demais —
levando-os a alcançar a mesma desejável condição". (Max Heindel, em
"O Conceito Rosacruz").
A presença e ação de um orientador espiritual
autêntico, longe de impor dependência, promovem uma relação essencial do
aspirante consigo próprio. Sua ajuda, como fator externo e relativo, devolve a
pessoa a uma mais alta consciência de seu próprio ser. Leva o estudante a
desvendar em seu íntimo uma necessidade até ali insuspeitada por ele,
libertando-lhe energias e capacidades que, sem esse suscitar, não teria
encontrado aplicação, continuando adormecidas dentro dele.
O orientador da Escola Rosacruz guarda-se de ser endeusado.
Ele conhece a verdade ensinada pela doutrina psicanalítica: "o indivíduo,
uma vez desligado da constelação familiar, esforça-se por estabelecer em os
novos meios de relacionamento (a Fraternidade, por exemplo) ligações da mesma
ordem. Ele está essencialmente desejoso de reencontrar uma mãe, um pai, irmãos,
por causa de uma necessidade regressiva que lhe dá segurança". De fato, há
no neófito inexperiente a tendência de superestimar os dirigentes de um
movimento espiritual. Quando se desiludem, muitas vezes se afastam e nunca mais
voltam a outro esforço dessa ordem. É preciso, pois, que saibam: todos, num
movimento espiritual, são estudantes da verdade. Todos objetivam o mesmo fim,
de realização individual. Se alguns se põem no difícil papel de expositor e
orientador é porque não se podem negar à necessidade da difusão e do serviço
amoroso e altruísta ao próximo.
O orientador esclarece desde logo e sempre que a
verdade pertence ao Divino interno. O Cristo interno é que pode apropriar-se
das experiências e ensinos externos, adaptando-os ao grau particular de
consciência evolutiva da personalidade pela qual atua. Só o Verbo interno pode
instruir. Como disse Descartes: "É preciso tornar as pessoas discípulas da
verdade e não sectários obstinados do que o expositor ensina". Há sempre o
risco de se corromper essa pura busca da verdade, quando o aspirante tende a
venerar a personalidade do instrutor, em vez de buscar, além da pessoa, a
revelação de que ele é simples mensageiro. Se buscássemos a verdade além da
pessoa, poderíamos aproveitar o que diz qualquer orador, além das simpatias e
antipatias exteriores. O homem aberto à verdade aprende de tudo e de todos,
porque a reconhece, independentemente de sua fonte. O Divino sempre traz à
nossa experiência aquilo que devemos aprender, mas isto requer que estejamos
descondicionados.
Assim, colocamo-nos na vida como aprendizes e
mestres, uns dos outros, cada qual contribuindo animicamente pela edificação de
todos. A presença, embora necessária,
do orientador é ocasional, para provocar relação com a verdade que ele já
atingiu em alguma medida. Ninguém nos dá a verdade porque ela já está
repousando, em potencial, dentro de nós. No entanto, ela precisa ser suscitada
e isto subentende a presença de um intercessor que tenha realizado boa dose da
verdade. Mas isto não o converte em mestre. Ele, por sua vez, recebeu essa
verdade Universal dos verdadeiros Mestres da Humanidade, aqueles altos
Iniciados que, por Seu esforço individual, abriram caminho à frente,
tornaram-se os vanguardeiros da evolução e alcançaram uma ampla visão da
Verdade. Por amor, voltaram e no-la revelaram, através de iniciados menores,
como foi o caso de Max Heindel. Tal é a garantia da verdade que recebemos,
inicialmente. Depois devemos experenciar essa verdade e torná-la nossa, pela
adequação a nosso nível de ser. Todo orientador aprende dos Mestres que os
caminhos são individuais e diferentes, por causa da epigênese - a chispa
criadora interna. Assim, a orientação legítima é encaminhar cada pessoa para
que ela seja autenticamente ela mesma.
É um triste exemplo o do orientador
que impõe pontos de vista e se compraz na imitação do neófito. O estudante que
se esforça em alcançar o favoritismo pela imitação do orientador, amesquinha a
si mesmo; e o orientador que o permite, comete deturpação pedagógica, lesa o
livre arbítrio do aluno, anestesia-lhe a epigênese e assume uma dívida de
destino. Ambos se iludem e prejudicam.
Max Heindel relata sua
experiência com o Irmão Maior e Mestre. Sempre que ia procurá-la em busca de
uma solução difícil, Ele apenas lhe indicava o caminho e nada dizia. Os Irmãos
Maiores desencorajam toda e qualquer dependência. Tal é o método
cristão-esotérico. Cristo disse: "Se alguém quer ser meu discípulo, tome
sobre si mesmo sua cruz e siga-me". É o mesmo que dizer: "Eu te
mostro a direção, mas deves assumir o teu destino, arrostando tuas dificuldades
e realizando tua obra evolutiva a teu modo".
No seu último dia de vida,
Sócrates dirige a seus discípulos uma solene advertência: "Não façais
grande caso de Sócrates. Acreditai-me nisto. Levai em conta a verdade de que
não apenas eu sou portador".
Sócrates tinha razão ao
esclarecer seus discípulos na hora derradeira. Sua ausência não seria a
ausência da verdade, pois ele sabia ser apenas uma interposta pessoa nesse
solilóquio de cada um consigo próprio, desvelando o íntimo, que é a terra natal
da verdade. Ele nos ensinou que todo o verdadeiro instrutor é um medianeiro de
consciência. Por isso permanecia como um parteiro de almas. Ele suscitava e trazia
à luz, o conhecimento potencial, pré-existente em cada indivíduo. Por isso
reduzia-se, humildemente, à função de um parteiro espiritual, convicto da
presença antecipada da verdade do Cristo interno, que deve nascer e crescer.
Ele mostrou que a suprema relação é a do homem para consigo mesmo; ele revelou
que o homem não tem outro centro que não seja ele mesmo. O mundo inteiro se
concentra nele (no profundo sentido e não egoístico). Desse modo, conhecer-se a
si próprio é conhecer a Deus.
Mas não se entenda que
devamos permanecer na verdade que recebemos, comprazendo-nos em ser discípulos
para sempre. Bem disse Kant: "o estudante não deve aprender pensamentos, e
sim, aprender a pensar, para que não seja carregado em dependência, mas guiado e, no
futuro, seja capaz de dirigir-se por seus próprios meios".
É claro que o instrutor
ajuda muito na abertura, despertar e evolução da consciência, estimulando e
suscitando a verdade interna potencial. A evolução humana é uma cadeia de amor.
Sempre alguém ajudou outro a subir. Nosso nível evolutivo atual foi ajudado por
outros que nos precederam. Há um patrimônio de cultura e de consciência que os
mais adiantados vão deixando aos detrás, se bem que a assimilação da verdade é
individual e cada um de nós enriquece esse patrimônio com algo de original que
os outros não têm.
O importante é que cada um
procure superar-se continuamente. Permanecer numa verdade relativa, sem
ultrapassá-la para atingir outra mais alta, é retardante. Na escada de Jacó,
aquele que não tira o pé do degrau de baixo, não pode levá-lo ao de cima, no
esforço de constante ascensão.
Só o fanatismo ignorante
se detém em alguma coisa, considerando-a como a última palavra. Max Heindel nos
adverte continuamente contra isso. Em o "Conceito Rosacruz do Cosmos"
ele diz: "esta obra não é a última verdade. O autor reconhece a
possibilidade de haver-se enganado em alguns pontos, motivo por que, quaisquer
eventuais falhas não devem ser imputadas aos Irmãos Maiores". Os próprios
Irmãos Maiores — Altos Iniciados — admitem que algumas vezes se enganam. Eles
sabem que, em relação à verdade absoluta, todos somos discípulos. Por mais que,
espirais muito maiores, Eles busquem assenhorear-se da Verdade, sempre há algo
a atingir, porque a verdade é infinita. Daí que a relação deles com a verdade
seja uma relação de humildade.
Uma escola é autêntica
quando tem por alicerces mestres dessa natureza, que através de suas mensagens
buscam orientar os estudantes à própria realização. Todos temos direito de
despertar para uma verdade maior, sem dependências. Buscar segurança na tutela
de um mestre, não é da Escola Ocidental de Mistérios. Seria um parasita o
estudante que permanecesse na mesma linguagem recebida do Mestre, repetindo
indefinidamente a tradição, receoso de errar, de faltar à fidelidade; incapaz
de recriar, como lhe reclama o dom epigenético. Aprender a meditar, a pensar, é
saber desmembrar uma verdade básica em todas as infinitas consequências. Se o
"Conceito Rosacruz do Cosmos" é uma exposição elementar da verdade
Rosacruz, isto significa: um mundo de
verdades ocultas, manifestado simplesmente no que se lê. Existem abismos de
decorrências nas entrelinhas.
Apesar de seu imenso amor,
os Mestres ocidentais estão prevenidos para não se apegarem aos discípulos. Só
os falsos mestres submetem os incautos alunos à sua tutela, como pais que
relutam em compreender e aceitar que os filhos devem ter vida própria quando se
tornam adultos. A psicologia fala do "complexo de desmame" e das
perturbações que ele produz na família. O mesmo sucede na família espiritual,
entre mal preparados instrutores e seus alunos, que se deixam enredar nessas
interferências subconscientes, em prejuízo de mútua edificação. Assim como os
pais não devem submeter à escravidão os filhos que põem no mundo, também o
mestre não deve prender o discípulo que formou — senão ajudá-lo a alcançar a
autenticidade e consciência plena de próprio. Por isso lhe facilita a
libertação e compreende quando o discípulo, no seu esforço de autoafirmação, se
volta contra ele, como os rapazes em relação aos pais.
Não se trata de escolher entre o mestre e a verdade.
Foi ele quem nos introduziu à verdade. A amizade e gratidão pelo mestre é a
mesma amizade e gratidão pela verdade. Somos gratos ao mestre, não pela pessoa
dele senão pelo papel de intercessor que exerceu, para despertar-nos a verdade.
Não significa que não tenhamos o direito de contradizer e tentar ultrapassar o
mestre. Esse esforço de auto-realização não é contrário à amizade, senão o
fruto dela, porque recebemos do mestre a procuração para prosseguir a tarefa de
investigação à nossa maneira. O que se passa é que, no esforço de
auto-realização, quase sempre o discípulo se envolve na vaidade. Na tradição
filosófica da Grécia há trechos lindíssimos de discípulos que se voltaram
contra seus mestres, no esforço de serem eles mesmos. É como se cometessem um
parricídio, ao consumar o simbólico crime de eliminar a dependência ao mestre,
no rito de passagem à própria autonomia.
Mais tarde compreendem que não mataram nada porque a
verdade é imortal e só ela é quem esteve presente, relacionando-os,
englobando-os e tornando sublimes os seus diálogos. Só então se tornam cônscios
da função do mestre e do discípulo. Só então podem atuar corretamente, em
relação àqueles a quem, por sua vez, toca ajudar.
Orientador e aluno, cada um desempenha um papel
essencial, um em relação ao outro, provisoriamente. É apenas uma fase na vida
de cada um deles, na qual o desenvolvimento se cumpre pela verdade em diálogo,
cada um exercendo o seu entendimento e buscando o outro, num confronto e desejo
de mútua edificação.
Finalizamos com um pensamento de Leonardo da Vinci:
"Triste é o discípulo que não se esforça por ultrapassar seu orientador.
Triste é o orientador que se indigna por ver os seus discípulos esforçando-se
por ultrapassá-lo".
Publicado na Revista Serviço Rosacruz, maio de 1976