O homem reflete em suas ideias, emoções e atos, seu mundo interior.
O observador perspicaz sabe disso. Nos Evangelhos encontramos a evidência desta
verdade na citação: “A boca fala aquilo de que está cheio o coração”.
Quando o homem age de duas formas - o que é comum acontecer -
temos uma incoerência: “Pode jorrar, de uma mesma fonte, água doce e amarga?”.
O curioso é que não suportamos nos outros os nossos próprios
defeitos. Geralmente o mais malicioso é que vê e critica a malícia no
semelhante; o desonesto (em algum âmbito obscuro para ele) é o que mais condena
o roubo. É um grito estrangulado da consciência que está sempre rebelada contra
o que se repete no interior do homem. Quando “experimentaram” o Cristo, com a
mulher adúltera (e os fariseus trouxeram apenas a mulher, quando a lei
prescrevia o mesmo castigo ao homem que adulterava com ela), Ele os
desconcertou com o conhecimento que tinha da natureza humana: “Aquele que
estiver isento de pecado, seja o primeiro a atirar a pedra”. E diz a tradição
que o Mestre, tranquilamente reclinado sobre o solo, escrevia com uma vara
sobre a areia, onde cada fariseu via escritos seus defeitos pessoais.
Certamente é um símbolo da consciência que, dentro de cada um, ia clamando seus
defeitos para arrasar a pretensão de juiz daquela mulher.
Com o desenvolvimento da psicologia profunda, qualquer pessoa
compreende o quão necessário se torna o conhecimento de nós mesmos. Nenhuma
elevação espiritual é possível sem esta condição. À medida que nos vamos
conhecendo pela observação e discernimento dos nossos atos, através de exercícios
como o da Retrospecção noturna, prescrita pelos Rosacruzes, vamos assegurando e
firmando aquilo que aprendemos. Consideramos este conhecimento e o domínio de
si mesmo, como a pedra fundamental do progresso interno e da felicidade do
homem. Goethe, o grande iniciado, criador de “Fausto” o definiu bem: “O Homem
se liberta de todas as limitações que o encandeiam, apenas quando alcança o
domínio de si mesmo”. E Cristo mostra o caminho: “Conhecereis a verdade e a
Verdade vos libertará”. Essa verdade está dentro de nós, pela sujeição de tudo
ao nosso Ego, o Cristo Interno. Nenhuma ciência, nenhum conhecimento, nenhuma
arte, posse alguma, representa uma finalidade nesta vida. Tudo tem valor, na
medida em que se incorpore e expresse o que há de espiritual em nós.
Em síntese, reproduzindo Paulo: temos uma mente carnal e uma
mente espiritual, um corpo de desejos (com uma parte inferior e outra superior).-
essas as origens de nossas controvertidas expressões. O Ego concebe a ideia,
mas quando ela se reveste de uma forma na Região do Pensamento Concreto, sofre
a influência escravizante do corpo de desejos, que se unindo à mente, desde a
Época Atlante, formou em nós uma espécie de “alma animal”.
Mas não basta conhecer a verdade. Ela apresenta a solução, mas,
é mister alcançá-la. Como libertar o ser humano e regenerá-lo, tornando-o, de
novo, à condição de ser espiritual, filho e herdeiro de Deus?
O “Conceito Rosacruz do Cosmos”, em sua última parte expõe
magistralmente essa questão. Tudo se resume na prática dos exercícios
recomendados e num persistente esforço de repetir o bem na vida diária. Em
verdade, aquilo que em nós vê o defeito e o mal nos outros, é o lado inferior.
O lado superior onde existe apenas a atração, simpatia, amor, filantropia e todas
as demais qualidades superiores da vida, da luz e do poder anímicos, vê apenas
o BEM, o IRMÂO, o SEMELHANTE, o ESPÍRITO, a ESSÊNCIA, que – juntamente conosco
e com outros seres humanos - forma a onda de Peixes, dos Espíritos Virginais em
evolução - Filhos de Deus, transitoriamente diferenciados na cor da pele e nas
condições externas.
Deixar que o lado inferior julgue e determine é rebaixar-se à
condição de um animal irracional. Pior ainda, porque, tendo mente, cometemos,
desse modo, atos que os animais não praticariam.
O ser humano é humano porque é racional – detentor de uma mente
que deve ser exercitada e espiritualizada. O Aspirante à espiritualidade está
vigilante para esta verdade. Não se expõe à insensatez pela imposição aos
outros, de suas ideias. Tão pouco sofre sem proteções a insensatez dos outros.
Em sua relação com os demais procura ser prudente e sábio, amoroso e justo,
expressando o que tem de superior.
Só deste modo poderá elevar-se, e elevar os demais, “perfumando”
a atmosfera em que vive com pensamentos e sentimentos justos, e edificando a todos
por sua maneira de agir.
Publicado na revista Serviço Rosacruz, fev.,1966 (mantida a ortografia)