Desde que de mim recordo, nos remotos horizontes da vida, tive
imenso desejo de fazer algo de grande, algo que saísse da rotina geral da
cômoda mediocridade, algo que lançasse uma esteira de luz através das noites da
humanidade, algo que valorizasse a minha passagem pela terra e desse uma razão
de ser à minha vida. Só Deus sabe quanto tenho suspirado por essa grande
alvorada, em que eu pudesse fazer algo de grande, mas, a minha vida, era feita
toda de coisas pequenas como ordinários seixinhos, brancos, cinzentos e pretos,
na poeirenta estrada de meu monótono viver, por onde transitava o tropel das banalidades
anônimas.
E eu fazia com pequenez essas coisas pequenas da minha rotina
cotidiana, fastidiosa e incolor... e continuava a suspirar pelo grande
acontecimento que valorizasse com sua grandeza, a pequenez da minha vida,
mesquinhamente vivida. Um dia, aconteceu algo de grande, algo como uma celeste
epifânia, como uma epopeia divina, e cruzou os caminhos cinzentos da minha
vida, mas eu nada vi dessa grandeza, porque estava envolto da minha pequenez.
Ninguém pode ver coisas maiores do que ele mesmo é. E continuei a esperar, a
esperar pelo grande acontecimento da minha vida, que me redimisse da irredenção
das minhas mesquinharias.
E esse acontecimento não vinha, e minha vida cinzenta e monótona
continuava no meio de coisas pequenas, pequeninas, pequeníssimas. Só mais
tarde, muito mais tarde, depois de passar o deserto fastidioso, e as águas
sanguíneas do mar vermelho, depois de ouvir o clamor terrífico das trombetas do
Sinai, e ver relâmpagos de Deus sobre mim, e dentro de mim; só então é que
entrei na terra de Canaã das coisas grandes da minha vida. E essas coisas
grandes eram todas pequenas, medíocres, corriqueiras, triviais, como os
seixinhos na poeirenta estrada - brancos, cinzentos e pretos, como punhados de
areia anônima com que as crianças se divertem. Mas, eu aprendera a fazer
grandemente as coisas pequenas... a revestir de amor e benevolência os pequenos
nada de cada dia, a cingir de um halo de suave sorridência as nulidades da
vivência comum, a colher um punhado de florezinhas humildes e colocá-las á
cabeceira de um doente, a dizer umas palavras amigas a um aniversariante
esquecido. Projetei a leveza e luminosidade do meu próprio eu, para dentro de
todas as coisas pesadas e escuras, e eis que as coisas tristes falavam de alegria, e as coisas amargas sabiam a doçura, e as coisas
incolores resplandeciam multicores...
Convalesci, finalmente, da velha doença crônica de querer
receber e ser servido. Convalesci para a nova e vigorosa sanidade de querer dar
e servir, dar do que tinha, dar o que era, dar do meu e dar o próprio eu. Desde
esse dia, nunca mais vi coisas pequenas ao redor de mim, porque não havia mais
coisas pequenas dentro de mim. Desisti de me fazer à imagem e semelhança dos
objetos, e fiz todos os objetos à imagem e semelhança do meu Eu divino. E tudo
era grande, divinamente grande.
Publicado na revista Serviço ROSACRUZ - junho 1982
“São as coisas pequenas que permitem realizar as grandes. Talvez isto estimule alguns membros a praticar o serviço”. (carta 81 do livro Cartas aos Estudantes, Max Heindel)
2 comments:
Lindo...lindo..lindo. lendo, absorvendo, sentindo e seguindo...Obrigada irmã querida pelo texto postado! Aceite um grande abraço fraterno!
Também a você, irmã e amiga, meu abraço amigo, obrigada por estar sempre presente nos comentários trazendo o "toque caloroso" da fraternidade.
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