24/06/2017

O Reflexo do Homem


O homem reflete em suas ideias, emoções e atos, seu mundo interior. O observador perspicaz sabe disso. Nos Evangelhos encontramos a evidência desta verdade na citação: “A boca fala aquilo de que está cheio o coração”.

Quando o homem age de duas formas - o que é comum acontecer - temos uma incoerência: “Pode jorrar, de uma mesma fonte, água doce e amarga?”.

O curioso é que não suportamos nos outros os nossos próprios defeitos. Geralmente o mais malicioso é que vê e critica a malícia no semelhante; o desonesto (em algum âmbito obscuro para ele) é o que mais condena o roubo. É um grito estrangulado da consciência que está sempre rebelada contra o que se repete no interior do homem. Quando “experimentaram” o Cristo, com a mulher adúltera (e os fariseus trouxeram apenas a mulher, quando a lei prescrevia o mesmo castigo ao homem que adulterava com ela), Ele os desconcertou com o conhecimento que tinha da natureza humana: “Aquele que estiver isento de pecado, seja o primeiro a atirar a pedra”. E diz a tradição que o Mestre, tranquilamente reclinado sobre o solo, escrevia com uma vara sobre a areia, onde cada fariseu via escritos seus defeitos pessoais. Certamente é um símbolo da consciência que, dentro de cada um, ia clamando seus defeitos para arrasar a pretensão de juiz daquela mulher.

Com o desenvolvimento da psicologia profunda, qualquer pessoa compreende o quão necessário se torna o conhecimento de nós mesmos. Nenhuma elevação espiritual é possível sem esta condição. À medida que nos vamos conhecendo pela observação e discernimento dos nossos atos, através de exercícios como o da Retrospecção noturna, prescrita pelos Rosacruzes, vamos assegurando e firmando aquilo que aprendemos. Consideramos este conhecimento e o domínio de si mesmo, como a pedra fundamental do progresso interno e da felicidade do homem. Goethe, o grande iniciado, criador de “Fausto” o definiu bem: “O Homem se liberta de todas as limitações que o encandeiam, apenas quando alcança o domínio de si mesmo”. E Cristo mostra o caminho: “Conhecereis a verdade e a Verdade vos libertará”. Essa verdade está dentro de nós, pela sujeição de tudo ao nosso Ego, o Cristo Interno. Nenhuma ciência, nenhum conhecimento, nenhuma arte, posse alguma, representa uma finalidade nesta vida. Tudo tem valor, na medida em que se incorpore e expresse o que há de espiritual em nós.

Em síntese, reproduzindo Paulo: temos uma mente carnal e uma mente espiritual, um corpo de desejos (com uma parte inferior e outra superior).- essas as origens de nossas controvertidas expressões. O Ego concebe a ideia, mas quando ela se reveste de uma forma na Região do Pensamento Concreto, sofre a influência escravizante do corpo de desejos, que se unindo à mente, desde a Época Atlante, formou em nós uma espécie de “alma animal”.

Mas não basta conhecer a verdade. Ela apresenta a solução, mas, é mister alcançá-la. Como libertar o ser humano e regenerá-lo, tornando-o, de novo, à condição de ser espiritual, filho e herdeiro de Deus?

O “Conceito Rosacruz do Cosmos”, em sua última parte expõe magistralmente essa questão. Tudo se resume na prática dos exercícios recomendados e num persistente esforço de repetir o bem na vida diária. Em verdade, aquilo que em nós vê o defeito e o mal nos outros, é o lado inferior. O lado superior onde existe apenas a atração, simpatia, amor, filantropia e todas as demais qualidades superiores da vida, da luz e do poder anímicos, vê apenas o BEM, o IRMÂO, o SEMELHANTE, o ESPÍRITO, a ESSÊNCIA, que – juntamente conosco e com outros seres humanos - forma a onda de Peixes, dos Espíritos Virginais em evolução - Filhos de Deus, transitoriamente diferenciados na cor da pele e nas condições externas.

Deixar que o lado inferior julgue e determine é rebaixar-se à condição de um animal irracional. Pior ainda, porque, tendo mente, cometemos, desse modo, atos que os animais não praticariam.

O ser humano é humano porque é racional – detentor de uma mente que deve ser exercitada e espiritualizada. O Aspirante à espiritualidade está vigilante para esta verdade. Não se expõe à insensatez pela imposição aos outros, de suas ideias. Tão pouco sofre sem proteções a insensatez dos outros. Em sua relação com os demais procura ser prudente e sábio, amoroso e justo, expressando o que tem de superior. 

Só deste modo poderá elevar-se, e elevar os demais, “perfumando” a atmosfera em que vive com pensamentos e sentimentos justos, e edificando a todos por sua maneira de agir.

Publicado na revista Serviço Rosacruz,  fev.,1966 (mantida a ortografia)

14/06/2017

Quintais Murados e Sem Muros


Do alto da janela do meu quarto vejo os quintais da vizinhança. São retângulos bem demarcados, alguns com limites de vidros pontiagudos, agressivos. Em cada muro terminam e começam os direitos de propriedade...

Tenho pensado nesses muros. Afinal são necessários. Como as demais coisas que existem na sociedade humana atual, eles exprimem uma condição e uma necessidade interna.

Recibos, contratos, fechaduras, são outros limites visíveis.

E há os invisíveis muros das limitações internas, dos egoísmos, das ambições. Estes são os mais importantes, se bem invisíveis, porque originaram aqueles.

Desde que me conheço por gente tenho ouvido falar de limites. Limites do Estado e do País em que nasci; limites de capacidade; limites de tudo, menos de Deus que é ilimitado.

Afinal, tudo o que evolui tem limites porque a verdade absoluta está além dos horizontes das verdades relativas que se vão alcançando...

Mas pelo menos, quando reconhecemos os limites de nossas faculdades e as procuramos dilatar, não estamos invadindo direitos de ninguém. No corpo de Deus todos estamos em expansão constante e como Filhos e Herdeiros Seus, só ferimos Seus direitos quando os reclamamos para nós. Tudo Ali é conquista de algo mais para atender às nossas legítimas necessidades e servir os demais.  Mas aqui, tudo é conquista de mais, para servir-SE.

Aí está a diferença fundamental entre os limites de consciência e os humanos...

Ajuda-me, Senhor, para que eu possa derrubar os muros invisíveis do egoísmo que me cerceia e apequena; só assim poderei alargar os limites de minha consciência, de meu amor e de meu entendimento em busca do ilimitado que és TU.
Publicado na revista Serviço Rosacruz,  fev.,1966