Um editorial da revista Serviço Rosacruz em homenagem à Max Heindel
O verdadeiro espiritualista caracteriza-se pela incessante,
honesta e realista procura do aspecto positivo de todas as coisas eacontecimentos. Não se deixa iludir pelas aparências. Perscruta causas
subjacentes. Analisa motivações. Acautela-se em não emitir julgamentos
precipitados. Constata, através de uma visualização profunda das coisas, em
cada fato uma lição oculta, em cada dificuldade uma valiosa oportunidade de
aperfeiçoamento.
Para o homem comum, incapaz de observar algo além dos matizes
superficiais, o mundo em que vivemos não passa de um emaranhado de
contradições. Ele só nota a presença do conflito e da desarmonia em tudo c em
todos.
Em realidade, o mundo não é contraditório, mas sim a mente
humana, obscurecida pela ignorância de si mesma. O homem vulgar, imperfeito
como é, inclina-se sempre a enxergar a imperfeição, destacando em tudo os
opostos e os antagonismos. Nada mais é do que um reflexo de si mesmo. Carece da
necessária evolução para eximir-se de estampar as coisas com os rótulos de
"bem" e "mal".
Cumpre ao estudante rosacruz, através do discernimento,
observação e meditação, prevenir essa visão distorcida do mundo. A prática fiel
do exercício de retrospecção, faculta-lhe, gradativamente, o conhecimento de si
mesmo. Através dessa perspectiva de sua própria natureza, poderá evitar
encontrar aquelas falhas que são suas — até então irregeneradas — nos múltiplos
aspectos da existência. Tendo uma concepção superior daquilo que comumente é
chamado de "bem" e "mal", tende a harmonizar-se com o
mundo, por descobrir a finalidade última das coisas.
Essa disposição livra-o de sentir-se frustrado ou deprimido
diante do fracasso, ou torna-o infenso aos deslumbramentos ilusórios do
sucesso; evita-lhe o temor e o constrangimento ao reconhecimento do erro, ou, a
falsa idéia de extrema e absoluta auto-suficiência após os acertos. Compreende,
enfim, o quanto os sucessos são pontilhados de fracassos e os acertos são
precedidos de erros. Recorda como os grandes inventores, por exemplo,
enfrentaram equívocos diários para chegar, finalmente, ao seu sonhado invento.
Assim, cientistas, literatos, economistas, empresários, artesãos, partiram de
um determinado ponto, errando e retificando, equivocando-se e corrigindo, até à
obra final. E mesmo algumas obras seculares ainda passam por contínuo
aperfeiçoamento.
Quer no sentido material, quer no sentido moral, o mundo
continua a ser uma grande escola, A experiência de cada dia, com suas múltiplas
facetas de alegrias e tristezas, constitui sempre um passo a mais, empreendido
na longa jornada do progresso. Via de regra, o sofrimento constitui uma forma
construtiva de aprendizado, porque induz à correção, impele à ação, quebrando
todos os imobilismos cristalizantes. As dificuldades muitas vezes deslocam o
homem para outras veredas, porque as atuais, do ponto-de-vista evolutivo,
talvez não lhe sirvam mais. A cada barreira surgida, transposta com fibra ou
contornada habilmente, soma-se-lhe um grande lastro em forma de experiência.
Em seu livro História de Dervixes, Idris Shah,
reproduz narrativa de Abdul Cadir, pensador árabe e santo sufi, em que se
mostra de que maneira a adversidade é boa mestra. Um negociante perde todos os
seus bens, inclusive a saúde, e procura, desesperado, o conselho sábio de um
amigo, o sultão de Córdoba. Este manda que lhe sejam dadas cem ovelhas, com as
quais o antigo negociante poderia recomeçar sua vida.
O rebanho, no entanto, morre vítima de uma epidemia. O sultão
oferece mais cinquenta ovelhas ao amigo infeliz, e novamente uma série de
acidentes reduz o personagem à penúria. O sultão agora oferece a ele vinte e
cinco ovelhas. O pastor improvisado consegue, num esforço extraordinário,
aumentar o rebanho, vendendo e comprando, orientando a reprodução e alimentando
bem os aminais. Dois anos depois, o ex-negociante, agora o pastor mais próspero
da região, visita o sultão para agradecer-lhe a ajuda. O monarca de Córdoba
oferece-lhe, então, o reino de Sevilha. O antigo negociante não se contém e interpela
o amigo: — "Por que não me ofereceu, logo da primeira vez, o reinado que
me tiraria da pobreza?" O sultão explica: — "Se no dia em que levou
as cem ovelhas para a montanha e as perdeu, tivesse assumido o governo de
Sevilha, hoje não haveria ali pedra sobre pedra".
Max Heindel foi um exemplo dignificante do aprendizado em meio
às dificuldades. Para consolidar a obra em Mount Ecclesia teve de reunir muita
coragem. Foram tempos de heroísmo. Na carta aos estudantes de nº 20 lemos:
"Deixado no mundo com os ensinamentos rosacruzes, foi-me comunicado que os
divulgasse. Muitas vezes faltou-me a respiração, à medida que me dava conta da
tarefa gigantesca posta sobre meus ombros e de como eu e minha esposa somos
insignificantes. Freqüentemente, quando o trabalho parecia nos derrubar,
orávamos para obter ajuda. Mas agora, olhando para trás, tomamos consciência
das lições que aprendemos por meio das lutas".
Que jamais os obstáculos detenham nossa marcha em busca de um
glorioso alvorecer.
Livro impresso Cartas aos Estudantes, Max Heindel
Publicado na revista Serviço Rosacruz, agosto, 1973
Carta 20 do livro Cartas aos Estudantes Max HeindelLivro impresso Cartas aos Estudantes, Max Heindel
0 comments:
Postar um comentário